O PCP dá voz às aspirações dos rodoviários

<font color=990000>Retrato de um sector à margem das leis</font>

Nas 24 intervenções proferidas na audição, foram denunciadas as duras condições de vida e de trabalho dos motoristas, agravadas com a progressiva liberalização e privatização do sector, após o desmantelamento da Rodoviária Nacional, num sector com a contratação colectiva bloqueada há nove anos. A informação recolhida vai agora complementar os cerca de 20 requerimentos parlamentares, em fase de elaboração, que o PCP levará à Assembleia da República.

Os motoristas são vítimas preferenciais das privatizações

Numa abordagem à situação no transporte de passageiros, o dirigente da Festru/CGTP-IN, Eduardo Travassos, salientou que os horários estabelecidos para os expressos não permitem o cumprimento dos limites de velocidade, pondo em perigo a segurança rodoviária, atitude que considerou ser um crime.
Também criminosa foi qualificada a adopção do trabalho a tempo parcial neste sector que requer trabalhadores a tempo inteiro.
Segundo o mesmo dirigente, os requisitos de revalidação da carta de condução «estão ligados á argumentação dos patrões que dizem haver muitos motoristas à procura de emprego e, por isso, os trabalhadores devem sujeitar-se a tudo para o manter».
Como se trata de uma profissão deveras desgastante, «a sua especificidade justifica a antecipação da idade de reforma», considerou.
Também o dirigente sindical, Guerra, lembrou o alastrar do trabalho a tempo parcial, os despedimentos e uma cada vez maior quantidade de processos disciplinares, com vista ao despedimento de trabalhadores efectivos.
Fernando Fidalgo, dirigente da mesma federação sindical, recordou que «o bloqueio á contratação colectiva tem sido uma estratégia seguida pelo patronato, provocando a descida de salários e a sujeição dos trabalhadores a quaisquer condições de trabalho. Fidalgo denunciou as violações dos períodos de descanso dos motoristas, devido à falta de fiscalização das normas em vigor.

Perseguir trabalhadores conscientes

Segundo o dirigente da Festru, José Manuel Castelão, o despedimento ilícito de um trabalhador de Santarém, da Transportes Ventoso, sediada em Porto de Mós, fez a Relação de Évora condenar a empresa a uma indemnização de 19800 euros, há ano e meio, mas o trabalhador ainda não viu o dinheiro, apesar de existir uma garantia bancária em seu nome.
O mesmo dirigente sindical denunciou ainda o aumento das custas judiciais que, à semelhança de milhares de trabalhadores de outros sectores, está a impedir motoristas de acederem aos tribunais e a dificultar a acção dos sindicatos.
Quanto aos testes psicológicos - que estão a ser aplicados apenas aos profissionais rodoviários, como se fossem estes os culpados pela alta sinistralidade - Castelão indicou que «supostos sindicatos assinaram protocolos com empresas que efectuam os testes». Há motoristas a reprovar nos testes por os efectuarem sob uma profunda pressão psicológica.
Ao salientar haver uma maior frequência na perseguição aos representantes dos trabalhadores, Castelão denunciou que a intensa exploração a que os motoristas estão sujeitos é constatada nos tacógrafos cedidos ao sindicato pelo IDICT, que revelam turnos de condução de 34 a 36 horas, divididos por dois motoristas sem saírem do camião.

Jornadas de meio dia

Na SCOTURB, que opera na região das Beiras, os patrões estão a pressionar os trabalhadores para cumprirem jornadas diárias de trabalho de 12 horas, denunciou o dirigente da Festru, Paulo Gonçalves. A pressão é feita através de uma baixa remuneração-base, levando os motoristas a cumprir com todo o trabalho suplementar para que a possam remediar. De tal forma é este o motivo dos baixos salários que é maior a remuneração através de suplementos do que o próprio salário.
Outra forma de pressão incrementada progressivamente no sector prende-se com a realização de testes psicológicos que são obrigatórios para os motoristas profissionais rodoviários mas não o são para os restantes condutores de veículos.
A SCOTURB tem um contrato com uma empresa para a realização destes testes e os trabalhadores têm de os pagar. Segundo Paulo Gonçalves, há situações em que os donos das empresas dos testes são também administradores das empresas de transportes.
As administrações têm pressionado as empresas que efectuam os testes para darem como inaptos vários trabalhadores, na maior parte dos casos, efectivos de meia idade ou mais.
Acresce que aos motoristas não é reconhecida, legalmente, qualquer tipo de doença profissional específica, embora seja uma das profissões mais afectadas por doenças decorrentes de uma profissão de grandes exigências físicas e psicológicas.

Entre o crime e o despedimento

Como a existência de jornadas diárias de trabalho de 15 e mais horas é ilegal, Paulo Baltazar considerou que, perante a pressão, «a opção dos trabalhadores é entre o crime ou o despedimento».
Paulo Baltazar, da SCOTURB, denunciou a mudança de percursos e de horários que obedecem exclusivamente aos interesses económicos da empresa, em detrimento das necessidades das populações e dos trabalhadores.
Outra unidade que tem suprimido carreiras em detrimento das necessidades dos utentes é a Rodoviária da Beira Litoral, RBL. Segundo Artur Reis, o fim de carreiras acentuou-se com a venda da empresa ao Grupo multinacional francês, Transdev.
A empresa tem procurado incrementar, o máximo possível, o trabalho a tempo parcial e surgiu com uma novidade no campo das novas estratégias de exploração de trabalhadores, denominada «contratos Charline». O nome provém da empresa francesa que tem aplicado contratos que obrigam os trabalhadores a estarem disponíveis as 24 horas do dia, com as consequentes violações dos períodos de descanso diários e semanais.
Por outro lado, na RBL, «a eleição dos representantes dos trabalhadores é feita de forma a eleger quem faça fretes à empresa», denunciou ainda Artur Reis.
O dirigente do Sindicato dos Transportes Rodoviários e Urbanos da Região de Coimbra, Hélder Borges, salientou a existência de trabalhadores contratados por 20 horas semanais, que efectuam o restante horário de serviço como trabalho suplementar, além de estarem a ser contratados trabalhadores reformados, em regime parcial. O mesmo dirigente acusou «alguns sindicatos» de oferecerem dinheiro aos trabalhadores que façam os testes psicológicos, em vez de os combaterem.
Segundo Hélder Borges, a pressa para cumprir com os horários já foi a causa de morte de dois cantoneiros dos serviços de limpeza.

Veículos obsoletos

No Porto, nos STCP, estão a ser utilizadas viaturas provenientes de países onde iam ser abatidas por ultrapassarem os prazos de segurança, denunciou Manuel Alves. A este respeito a deputada comunista, Odete Santos, salientou que a média de idades dos veículos de passageiros que têm sido adquiridos para operar em Portugal situa-se entre os 30 e os 40 anos de idade.
Os STCP têm procedido à redução de um grande número de trabalhadores, mantendo a mesma frota, salientou o dirigente do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários do Norte, Manuel Cosme. As normas de descanso são violadas pelos horários de trabalho e, recentemente, um autocarro embateu na barreira do Metro do Porto, devido a um problema mecânico a que não é alheia a transferência de mecânicos para a categoria de motoristas, acusou o mesmo responsável. Cada vez são menos os trabalhadores abrangidos pelo AE da empresa, substituídos por trabalhadores em regime de precariedade.
Na Luís Simões, indicações dos delegados sindicais aos trabalhadores para não cumprirem ordens irregulares da empresa são motivo para a abertura de processos disciplinares, com a possibilidade de proibição de entrada na unidade e de despedimento.
Segundo o sindicalista Manuel Ferreira, desde Março do ano passado que os trabalhadores são pagos ao quilómetro, em vez de serem à viajem, como era até então. Dois delegados sindicais foram suspensos, situação que fez a IGT recomendar a sua readmissão. A um deles não lhes foi entregue o camião, tendo sido readmitido com a função de «arrumador». O outro, só teve licença para regressar quando a empresa tomou conhecimento de que a sua esposa tinha abortado, devido à acumulação de stress causada pela ameaça de despedimento do marido.

Exploração desenfreada

Na Barraqueiro, são tantas as horas suplementares que 980 trabalhadores fazem o serviço de 1700, denunciou o responsável sindical, José Ramos. A empresa tem feito apelos para que os trabalhadores abram contas-ordenado numa determinada instituição bancária. Ainda na Barraqueiro, são os trabalhadores que pagam os testes psicológicos. Dois motoristas que foram considerados inaptos estão a aguardar por uma tomada de posição da empresa quanto ao seu futuro.
Na TST –Setúbal, «as horas extraordinárias são um crime há muito tempo», salientou o representante dos trabalhadores, Francisco Chaveiro. Pior do que forçar a cumprir com o trabalho extraordinário é o facto de a empresa recusar pagá-las, além de estar a adoptar cada vez mais contratos a termo. Os trabalhadores mais velhos e mais «incómodos» são os primeiros visados com os problemas de revalidação das cartas.
Um trabalhador mecânico da mesma empresa denunciou o facto de a maioria das viaturas a circular em Portugal serem compradas em parques de sucata no norte da Europa, principalmente na Alemanha. O mesmo trabalhador salientou a possibilidade de a tecnologia permitir deixar registadas, nos tacógrafos, velocidades inferiores às realmente praticadas.
Leonel Encarnação, mecânico na mesma empresa, salientou que a contratação a termo prejudica o poder reivindicativo dos trabalhadores, pondo em perigo as próprias ORTs. O mesmo trabalhador denunciou alterações feitas a camiões obsoletos, criando problemas de segurança.

De norte a sul

No Douro e Minho, a REDM também usa como justificação para implementar contratos a prazo, a existência de muitas horas extraordinárias por cumprir, omitindo que, alargando o quadro de efectivos, o problema ficaria resolvido, denunciou o representante dos trabalhadores, Filipe Dias.
Também aqui, os membros de ORTs estão a ser alvo de perseguições.
A empresa está a tentar transformar os motoristas em cobradores e a obrigá-los a registar o número de passageiros, o dinheiro arrecadado dos bilhetes e o tipo de bilhetes vendidos, além das habituais obrigações para com a condução e a manutenção dos veículos.
Segundo Filipe Dias, os patrões dizem haver trabalhadores a mais com vínculo à empresa, enquanto vão contratando trabalhadores a prazo.
Mais a sul, na Eva Transportes, os representantes dos trabalhadores têm tido dificuldades acrescidas para trazer os motoristas mais jovens á sindicalização. De acordo com o sindicalista Vítor Gonçalves, os jovens têm receio de represálias, pretendem ver compensado o esforço do investimento nas cartas de condução e até recusam contactar o sindicato.
Elvino Valente, da mesma empresa, salientou a desconformidade existente nos recibos salariais, em relação ao que é efectivamente pago.
Denunciou também substituições de discos do tacógrafo, de forma a iludir a fiscalização, ficando o trabalhador sem provas para poder depois exigir a justa remuneração pelo tempo que realmente trabalhou. Exigiu, por isso, que a Assembleia da República e o Governo façam cumprir com as normas laborais relativas ao trabalho suplementar.
Na audição foram ainda denunciadas situações semelhantes na Vimeca.

Mercadorias

No transporte de mercadorias, também o excesso de horas de trabalho, sobretudo suplementares foi denunciado por Aires Moreira. Também aqui se praticam descontos ilegais feitos sobre salários baixos.
Como agravante, as entidades patronais recusam renegociar as convenções colectivas de trabalho. O bloqueio tem levado à diminuição dos valores reais dos salários.

Um importante contributo

Segundo José Gil, da Direcção Regional de Coimbra do PCP, a audição foi um importante contributo para que, a partir da tomada concreta de conhecimento da realidade, o Partido tome a iniciativa, tanto nas instituições como na concretização do reforço da organização partidária, mobilizando os trabalhadores para a luta na defesa dos seus direitos.
Também o coordenador da Festru/CGTP-IN, Vítor Pereira, considerou que a audição «revelou que o PCP conhece a realidade do sector e as suas propostas assim o comprovam».
A iniciativa permitiu aprofundar o conhecimento dos problemas dos motoristas, classe profissional que vive sob fortes tensões e stress perante a exigência patronal de cumprirem com prazos de chegada de passageiros e entrega de mercadorias que obrigam a jornadas diárias de 17 horas ao volante e mais. É facilmente comprovável a existência de uma relação directa entre a degradação das condições de trabalho e a segurança rodoviária.
Perante esta realidade, assume particular importância o reforço e o aprofundamento das medidas de organização apontadas no XVII Congresso do PCP.
A organização comunista do sector deve ter em conta os factores de mobilidade dos motoristas. Assim, além da própria empresa, a acção deve passar pelos locais de encontro e de descanso de trabalhadores, através de contactos individuais. Nesse sentido deve-se proceder a uma coordenação regional e nacional do sector, de forma regular.
Assim, o reforço do Partido passa por uma maior regularidade do funcionamento das células de empresa e pelo levantamento de nomes com vista ao recrutamento.
O aumento da militância e das adesões ao PCP é uma tarefa permanente de todo o colectivo o partidário, com vista ao rejuvenescimento e ao aumento de influência neste sector estratégico.
A importância das células do Partido será mais reconhecida quanto maior for a sua intervenção, através da elaboração de comunicados e de boletins com a denúncia e a apresentação de soluções para os problemas concretos dos trabalhadores do sector.


Mais artigos de: Temas

Desemprego<br> é o principal problema do País

O Instituto Nacional de Estatística acabou de publicar os dados do desemprego referentes ao 3.º trimestre de 2005. Esses dados mostram que o desemprego real no nosso País é bastante superior ao número oficial de desempregados que os órgãos de comunicação social divulgam. Os dados também revelam que, contrariamente àquilo que o governo pretende fazer crer, o desemprego continua a aumentar de uma forma rápida em Portugal, sendo, sem qualquer dúvida, o problema social e mesmo económico mais grave do País.

<font color=990000>Onde a exploração é norma</font>

Perante o intenso ataque aos direitos dos trabalhadores por parte de sucessivos governos e das empresas do sector dos transportes rodoviários, teve lugar, a 19 de Novembro, em Coimbra, a Audição Nacional do PCP sobre as condições de trabalho no sector. Os ataques são de tal forma que põem em causa a dignidade da pessoa humana e coincidem com uma fase de avultados lucros para os grandes grupos económicos.